Pero de Góis
Antes mesmo de desembarcar no local denominado “Ponta do Retiro”, Pero de Góis participou da expedição colonizadora de 1530 como auxiliar de Martin Afonso de Souza. Era ele um militar português, muito honrado, cavaleiro experimentado. guerreiro nato, notabilizado pela bravura e capacidade de comando. Considerado de grande tenacidade e perseverante. Lutou muito aqui no Brasil contra os invasores espanhóis, tendo sido gravemente ferido em combate na Barra de Icapara. Foi construtor do engenho da Madre de Deus, no sopé da serra do quilombo, às margens do rio Jarubatuba, entre outras importantes e inestimáveis ações desenvolvidas em terras brasileiras.
É importante ressaltar aqui os feitos de Pero de Góis, e por isso o faço, pois é inegável que a sua decisão de implantar aqui a sede de sua Capitania, o coloca como o primeiro vulto de nossa história. Sendo ele, Pero de Góis da Silveira (nome completo), o primeiro senhor de engenho do Estado do Rio de Janeiro, dando inicio a uma atividade que foi se desenvolvendo. Sendo disseminada pelo território da capitania e mais tarde formou o grupo de ricos usineiros da região, especialmente de Campos dos Goytacazes.
É verdade, que diante das dificuldades das Capitanias Hereditárias prosperarem, havendo a ameaça da secessão, de desintegração, até mesmo pela discórdia entre as próprias capitanias, o que poderia deter a marcha ascendente do Brasil: os franceses de um lado, os portugueses de outro: escrevia Luiz de Góis à Corte de Lisboa – “Se dentro de pouco tempo Vossa Alteza não acudir às capitanias e costas do Brasil, então perderemos vida e propriedade; Vossa Alteza perderá, porém, o país”.
Diante disso, surgiu em D. João III, sério interesse pela colonização do Brasil. E a conselho de Pero de Góis, donatário da Capitania de São Tomé, buscou, de novo, meio apropriado de resolver a situação, chegando à conclusão de que a própria Coroa deveria interessar-se inteiramente na colonização brasileira, estabelecendo aqui uma capitania real, que deveria ser bastante forte para proporcionar às outras, auxílio e proteção, sempre que disso precisassem.
Culminando, dessa forma em 1548, com a aquisição da capitania da Bahia e a nomeação de um Governador Geral para o Brasil, sendo essa a primeira medida que realmente contribuiu para a unidade nacional.
Cabendo a Tomé de Souza, primeiro Governador Geral a missão de unificar a colônia e lançar a semente do Estado.
Assim volta Pero de Góis ao Brasil, na função de capitão-mor da costa, ao qual competia velar pelos negócios do mar e perseguir os corsários. Tendo organizado uma flotilha de duas caravelas e um bergantim, e sob o seu próprio comando visitou todas a vilas marítimas das várias capitanias, usando as medidas necessárias para regularização dos serviços, ensejo que reprimiu a audácia de traficantes franceses em algumas baías. O mais importante resultado colhido nesta ação foi verificar até que ponto tinha os franceses adiantados na invasão desta parte da costa, o que ameaçava perigosamente as colônias portuguesas. Principalmente Pero de Góis, pelo dever de seu posto, não cessou mais de clamar, escrevendo continuamente para a Corte, e insistindo junto do Governador Geral por urgente ação decisiva contra os intrusos. Encerrando desta maneira a sua trajetória neste País.
Capitania de São Tomé
A colonização do atual território sanfranciscano, princípio da história de São Francisco de Itabapoana, começa com a posse de Pero de Góis das terras de sua capitania e a edificação da Vila da Rainha.
Localização da Vila da Rainha
Área situada em Barra do Itabapoana, onde provavelmente tenha sido edificada a Vila da Rainha.
Apesar de haver divergências entre os historiadores quanto à localização exata da “Vila da Rainha”, e certamente elas continuarão a existir, conclui-se, no entanto, que o mais provável é que tenha sido exatamente nas proximidades do Rio Managé, (hoje Itabapoana) o exato local da edificação, pois os únicos documentos autênticos da época, que fazem referência a Vila da Rainha, dão por assim entender, são duas cartas de Pero de Góis enviadas a Martin Ferreira, seu sócio, em 18 de agosto de 1545 e ao Rei de Portugal D. João III em 29 de abril de 1546, com o seguinte teor: “Fiqua o primeiro engenho daugoa com oitocentas braças de três levadas de palmos sos em largo e três em fundo por terra muito chãa e sem trabalho e trazem na á borda do Rio sobre hum outeiro...” – “digo que isto neste próprio rio de Manajé donde estou o qual vem nelle dar outros rios...ora por este rio a riba onde começa de cahir de quedas e té onde boamente podem os barcos ir, fui ver e achei poderem se fazer quantos engenhos quizermos, por ser um rio onde podem entrar navios como esse em que vim, em tempo das agoas. ... a olho no mais fica o primeiro engenho d’agoa com 800 braças de levada de 3 palmos sós em largo e trazem na borda do rio, sobre um outeiro, e damos a queda que é de 60 palmos para riba. Em baixo na borda do rio fica o engenho e podem chegar as barcas... não tem mais esta terra senão ser 10 leguas por agoa e 7 por terra, onde lhe mandei abrir um caminho, que pode um carro sem molhar pé, chegar ao engenho, cavallos e tudo que o homem queira. Anda-se um dia por terra... assim que pelo rio se pode acarretar o assucar...Entretanto que estes homens roçam, faço eu cá no mor dos engenhos de Cavallo... desta sua vyla da Rainha oje 18 de agosto de 1545.”
Também assim entenderam os historiadores Fernando José Martins “seu descobrimento e primitiva fundação prende-se ao tempo do estabelecimento de Pero de Góis, pois que a mui poucas braças da barra deste rio para o sul fundou aquelle capitão a primeira povoação de sua capitania” - “História do Descobrimento e Povoação de São João da Barra e Campos dos Goytacazes” em 1868; Alberto Lamego, quando escreveu “a poucas braças ao sul do Rio Managé” - “Terra Goitacá” em 1913; Alberto Ribeiro Lamego, “O Homem e o Brejo”, em 1945 ao dizer que o donatário “em 1538 finca esteios do primeiro vilarejo ao sul de Barra do Itabapoana”, e João Oscar em “Apontamentos para a História de São João da Barra” em 1976, também conclui dessa forma.
Já Vicente do Salvador, “História do Brasil” diz que Pero de Góis foi tomar posse de sua capitania, com uma boa frota, que fez em Portugal á sua custa, bem fornecida de gente e todo o necessário, e no chamado rio Paraíba, que está em vinte e um graus e dois terços, se fortificou e fez uma povoação.
Assim ainda descreve o Fr. Vicente sobre a capitania... ”No distrito desta terra e Capitania cá he a terra dos Aitacazes, que he toda baixa, e alagada, onde estes Gentios vivem mais á maneira de homens marinhos, que terrestres; e assim nunca se poderão conquistar, posto que a isso farão... por que quando se há de vir ás mãos com elles, metem-se dentro das lagoas, onde não há entral-os a pé nem a cavallo, são grande fúzios e nadadores, e a braços tomão o peixe ainda que sejão tubarões, pêra os quaes levão em huma mão hum pau de palmo pouco mais, ou menos, que lhes metem na boca direito, e como o tubarão fique com a boca aberta, que a não pode serrar com o pau, com a outra mão lhe tirão por ella as entranhas, e com ellas a vida, e o levão para a terra não tanto pêra os comerem, como pêra dos dentes fazerem as pontas das suas frechas, que são peçonhentas e mortíferas, e pêra provarem forças e ligeireza, como também dizem que as provão com os veados nas Campinas, tomando-os a cosso, e ainda com onças e outros ferozes animais...”
Revela ainda o Fr. Vicente do Salvador, que durante os dois primeiros anos tudo ocorreu muito bem. “... e depois se lhe levantou o Gentio, e o teve em guerra cinco ou seis annos...”
Gabriel Soares escrevendo Tratado Descrptivo do Brasil diz: “São concordes o Major Fernando José Martins e Dr. Cezar Augusto Marques, que no lugar chamado Campo, entre a ponta de Manguinhos e o rio Itabapoana, perto da ponta do Retiro se achara vestígios de antiga povoação... O que fez com que pero de Góis ali levantado uma engenhoca e uma capela, que ficaram depois abandonadas...”
Dessa controvérsia ainda participaram outros historiadores. São da mesma opinião que Pero de Góis fundou sua capitania nas proximidades do Rio Managé: Aires de Casal, Millet de St. Adolphe, Julio Feidit, e Augusto de Carvalho. Já, Varnhagem, C. Malheiros Dias, Teixeira de Melo, Beauchamp, Pereira da Silva, Rocha Pombo, Gallanti, Gabriel Soares e Wardem, estão entre os afirmam que a Capitania foi instalada as margens do Rio Paraíba.
Enganos históricos existem muitos. Alguns historiadores se baseiam apenas em informações colhidas ou copiam outros sem se certificarem da sua veracidade. Outros sequer se aprofundam nas pesquisas para detalhar com maior clareza os fatos. Exemplo: Lendo “História do Brasil,” de Vicente Tapajós, da Companhia Editora Nacional, já na sua 13ª edição, com referência a Capitania de São Tomé, encontra-se apenas: “Muito pouco pode ser dito da capitania de S. Tomé, também chamada Paraíba do Sul. Pero de Góis, que a recebeu, deve ter sido indicado ao rei por Martim Afonso de Sousa pelos muitos serviços prestados em S. Vicente.”
“Fundou a vila da Rainha, iniciou a cultura da cana, mas, saindo em busca de maiores recursos, teve a tristeza de ver destruído o que fizera, por causa dos abusos, de alguns dos povoadores.”
Outro exemplo encontra-se em “História do Brasil” pag. 65, 14ª edição, de João Ribeiro, ricamente prefaciado por grandes nomes da literatura, que diz: “Pero Góis da Silveira – PARAIBA, isto é, de Cabo Frio a Itapemirim. O donatário fundou a Vila da Rainha, no rio Paraíba. Na sua ausência foi à capitania ferozmente atacada pelos goitacás.”
Daí muitos erros, que acabam mudando fatos ou provocando dúvidas e incertezas.
Houve verdadeiramente outras povoações feitas por Pero de Góis, não a de Santa Catarina das Mós, como afirmam Aires Casal, Augusto de Carvalho, Julio Feidit e Milliet de St. Adolphe; esta foi estabelecida por Gil de Góis, herdeiro, segundo donatário da capitania, á margem do Rio Itapemirim, que foi denominado de Santa Catarina, por Vasco Fernandes Coutinho e Pero de Góis da Silveira, conforme consta da Carta de Confirmação dos limites das suas capitanias, datada de 12 de março de 1543.
-Isso está muito claro. Conforme afirma o próprio Pero de Góis em suas cartas, quando relatou haver encontrado a primeira povoação destruída. “... assim que mais por servir a S.A. do que pelo gosto que della tive, a não larguei e deixei, mas antes assentei de novo, comecei a povoar por um rio a cima, obra de 10 leguas do mar, por não haver agoas mais perto, onde fiz uma mui boa povoação, com muitos moradores, muita fazenda, a qual a elles e a mim custou muito trabalho, por ser terra adentro...” E posteriormente, quando houve outro ataque dos índios “... “Depois de me vir e largar no Rio Paraíba nossa fazenda que fazíamos detreminei ver augoas que nesta terra onde figuo avia”.
Afirma Fernando José Martins, que no lugar chamado o Campo, entre ponta de Manguinhos e o Rio Itabapoana, perto da ponta do Retiro se acharam vestígios de antiga povoação, e em um cômoro umas mós, o que fez com que tendo Pero de Góis ali levantado uma engenhoca.
Se o próprio Pero de Góis afirmou que a nova povoação era, como a primeira, no Rio Managé, qualquer outra afirmativa não pode ser considerada. Ainda mais, se ficava num lugar onde havia quedas d’água que tocavam o engenho, e sabe-se, que da foz do rio Paraíba, rio acima, na extensão de 10 léguas, não se encontra nenhuma cachoeira.
Toda a história deve ser firmada em documentos legítimos, fidedignos, autênticos, pois sem estes não há história, e esta não pode ser fruto de hipóteses ou meras conclusões.
Fica dessa forma restabelecida a verdade histórica:
-A Vila da Rainha foi edificada próximo ao Rio Managé, à sua margem direita; (hoje Rio Itabapoana)
-O primeiro engenho de açúcar também foi construído junto ao Rio Managé;
-Fica ainda comprovado que neste local, hoje Município de São Francisco de Itabapoana-RJ, foi edificado o primeiro núcleo habitacional; construída a primeira capela ou igreja; construído o primeiro engenho; foi plantada a primeira cana-de-açúcar; foram feitas as primeiras lavouras de subsistência; trafegou o primeiro carro de bois; cavalgaram os primeiros eqüinos; onde pisaram os portugueses (primeiros homens brancos), em toda faixa compreendida: do Rio Macaé, norte do Estado do Rio de Janeiro, todo o noroeste deste mesmo Estado, até o Rio Itapemirim ao Sul do Estado do Espírito Santo.
Vila da Rainha edificada por Pero de Góis em 1538 nas proximidades do rio Managé (agora Itabapoana). Primeiro núcleo habitacional e marco da colonização do território do hoje Município de São Francisco de Itabapoana.
D. João III, rei de Portugal, entregou a Pero de Góis a Capitania de São Tomé, depois denominada de Paraíba do Sul, por Alvará de 10 de março de 1534 e por Carta de Doação de 29 de fevereiro de 1536, atendendo a um pedido pessoal de Martim Afonso de Sousa, seu leal assessor no Brasil.
A Capitania correspondia a um lote de 30 léguas de largura que se iniciava ao sul da foz do rio Itapemirim e se prolongava até a foz do rio Macaé, limitando-se por um lado com a Capitania do Espírito Santo e por outro com a Capitania do Rio de Janeiro, que pertencia ao mesmo donatário da S. Vicente..
Foi este o último lote doado pela Coroa Portuguesa, ficando definido o nome dos 12 donatários, representantes do Rei de Portugal na Colônia.
Termos das Cartas de Doação e Foral:
Dom João III, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves d`aquém e d`além mar, África senhor de Guiné e da conquista, navegação, comércio da Ethyopia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. A quantos esta minha carta virem, faço saber que eu fiz ora doação a mercê a Pero de Góis, fidalgo da minha casa, para elle e todos os seus filhos, netos herdeiros e sucessores, de juro e herdade para sempre, da capitania de 30 leguas de costa das minhas terras do Brasil, segundo mais inteiramente é conteúdo e declarado nesta minha carta de doação que da dita terra lhe tenho passado, e por ser muito necessário haver foral de direitos, foros e tributos, e cousas que na dita terra hão de pagar, assim do que a mim e a coroa dos meus reinos pertencem aos ditos capitães por bem de suas ditas doações, eu havendo respeito á qualidade da dita terra e a ora novamente ir morar e povoar e por folgar de lhe fazer mercê houve por bem de mandar ordenar e fazer o dito foral na fórma e maneira seguinte:
Item, primeiramente o capitão da dita capitania e seus sucessores darão e repartirão todas as terras dellas de sesmarias a qualquer pessoa de qualquer idade e condição que seja, contanto que sejam christãos, livremente sem foro nem direito algum, somente o dízimo que serão obrigados a pagar á ordem do mestrado de Nosso Senhor Jesus Christo, de tudo o que nas ditas terra houver, as quaes sesmarias darão na fórma e maneira que se contem nas minhas ordenações, e não poderão tomar terras algumas de sesmarias para si nem para sua mulher e nem para o filho herdeiro da mesma capitania, e porem podel-a-hão dar a outros filhos se os tiverem, e assim aos seus parentes como se em suas doações contem; e se algum dos seus filhos que não for herdeiro da dita capitania ou qualquer outra pessoa tiver alguma sesmaria por qualquer maneira que a tenha e vier a herdar a dita capitania, será obrigadodo dia que della succeder a um anno a largar e traspassar a tal sesmaria em outra pessoa, e não a traspassando no dito tempo, perderá para mim a dita sesmaria, e de mais outro tanto preço quanto ella valer; e por esta mando ao meu feitor ou almoxarife que na dita capitania por mim estiver, que em tal caso lance logo mão della para mim, e a faça logo assentar no livro dos meus papeis, e faça execução pela valia della, e não fazendo assim, hei por bem que perca o seu offício e me pague de sua fazenda outro tanto quanto montar a valia da dita terra.
Item, havendo nas terras da dita capitania, costa, rio, ou bahias della, qualquer sorte de pedrarias, pérolas, aljôfar, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou outra qualquer sorte de metal, pagar-seha a mim o quinto, e haverá o capitão sua dizima como se contem em suas doações, e ser-lhe-há entregue a parte que lhe na dita dizima montar, ao tempo que seu dito quinto por meus officiaes para mim arrecadar.
Item, o páo do Brasil da dita capitania e assim qualquer espécie de drogaria de qualquer qualidade que seja que n`ella houver, pertencerá a mim e será tudo meu e de meus sucessores, sem o dito capitão nem alguma outra pessoa poder vender nem tirar para meus reinos e senhorios nem para fora delles, sob pena de que se o contrário fizer perderá toda sua fazenda para a coroa do reino, e ser degredado para a ilha de S. Thomé para sempre. E por enquanto ao Brasil hei por bem que o dito capitão, e assim aos moradores da dita capitania se possam aproveitar delle no que na terra lhes for necessário, não sendo em o queimar, porque queimando-os incorrerão nas ditas penas.
Item, de todo pescado que se na dita capitania pescar, não sendo á cana, pagará o dizimo á ordem, e sobre a dita dizima hei por bem que se pague mais meia dizima, que é de vinte peixes um, a qual o dito capitão haverá e arrecadará para si, porquanto lhe tenho della feito mercê.
Item, quando o dito capitão, moradores e povoadores da dita capitania trouxerem ou mandarem a meus reinos ou senhorios quaesquer sortes de marcadorias que nas ditas terras houver, tirando escravos e as outras cousas que atraz são defesas, podel-o-hão fazer e serão recolhidas e agasalhadas em quaesquer partes, cidades ou villas dos meus reinos em que aportarem, e não serão constrangidos a descarregarem e nem venderem em quaesquer partes, cidades ou villas sem suas vontades, se por outras partes quizerem ir fazer seus proveitos, esquecendo-os fazer nos ditos logares de meus reinos, não pagarão dellas direitos alguns, somente a siza do que venderem; posto que pelos foraes, regimentos ou costumes dos taes logares forem obrigados a pagar outro direito ou tributo o poderão vender suas mercadorias a quem quizerem sem embargo dos ditos foraes, regimentos ou costumes que em contrário haja.
Item, todos os navios dos meus reinos e senhorios que á dita terra forem com mercadorias que já cá tenham pago os direitos em minhas alfândegas, e mostrarem disso certidões dos meus offíciaes dellas, não pagarão na dita terra do Brasil direito algum; se lá carregarem mercadorias para fora da terra ou reino, pagarão da sahida dizima para mim, da qual o capitão haverá uma redizima, como se contem em sua doação; e porem trazendo as taes mercadorias para meu reino ou senhorios, não pagarão da sahida direito algum, e estes que trouxerem as ditas mercadorias serão obrigados a dentro de um anno levar ou enviar á dita capitania certidões dos officiaes das minhas alfândegas do logar d´onde descarregaram de como assim o fizeram em meus reinos, e as qualidades das mercadorias e quantas eram; e não mostrando certidão dentro do dito tempo, pagarão a dizima das ditas mercadorias ou daquellas partes dellas que nos ditos meus reinos e senhorios não descarregaram.
Item, quaesquer pessoas estrangeiras que não forem naturaes de meus reinos e senhorios que á dita terra levarem ou mandarem levar gêneros ou mercadorias, posto as levem de meus reinos e cá tenham pago décimas, pagarão lá da entrada décima a mim das mercadorias, das quaes o capitão haverá sua redizima, e ser-lhe-há a dita redizima entregue por meus officiaes.
Item, de mantimentos, armas, artilharia, pólvora, salitre, enxofre, chumbo e quaesquer outras cousas de munição de guerra que á dita capitania levarem, ou mandarem levar o capitão ou moradores della ou pessoas estrangeiras, hei por bem que se não pague direitos alguns, e que os sobreditos possam livremente vender todas as ditas cousas e cada uma dellas na dita capitania ao capitão e moradores della que forem christãos e meus súbditos.
Item, todas as pessoas assim de meus reinos e senhorios como delles que á dita capitania forem, não poderão tratar nem comprar nem vender cousa alguma com o gentio da terra, e tratarão somente com o capitão e povoadores della, comprando, vendendo e resgatando com elles tudo o que puderem haver, e quem o contrário fizer, hei por bem que perca em dobro toda mercadoria e cousas que os ditos gentios contratarem, de que seja a terça parte para minha câmara, a outra parte para quem os accusar, e a outra terça parte para o hospital que na dita terra houver, e não havendo ahi, será para a fabrica da igreja d’ lla.
Item, quaesquer pessoas que na dita capitania carregarem seus navios serão obrigadas antes que comecem a carga e antes que saiam fora da dita capitania de o fazer saber ao capitão della para provar que se não tiraram mercadorias defesas, nem partirão assim mesmo sem licença do dito capitão; e não o fazendo assim perder-se-hão em dobro para mim todas as mercadorias que carregarem, posto não sejam de pesos; e isto porém se entenderá em quanto na dita capitania não houver feitor oficial meu deputado para isso, porque havendo ahi, a elle se fará saber o que dito é, e a elle pertencerá fazer as ditas diligencias, e dará as ditas licenças.
Item, o capitão da dita capitania, os moradores e povoadores, poderão livremente tratar, comprar e vender suas mercadorias com os capitães das outras capitanias que tenho provido da dita costa do Brasil, e comos moradores e povoadores dellas: convem a saber, de umas capitanias para outras, das quaes mercadorias não pagarão tributo algum.
Item, todo visinho e morador que vier á dita capitania ou for feitor ou tiver companhia com alguma pessoa que viver fora de meus reinos e senhorios, não poderá tratar com os brazis da terra, posto quesejam christãos; e tratando com elles, hei por bem que perca toda a fazenda com que tratar; da qual será um terço para quem o acusar, e os dous terços para as obras dos muros da dita capitania.
Item, os alcaides-móres da dita capitania e das villas e povoações della haverrão e arrecadarão todos os fructos, direitos e tributos que em meus reinos e senhorios, por bem das minhas ordenações, pertencem e são concedidas aos alcaides-móres.
Item, os rios da dita capitania em que houver necessidade de põr barcas para passagem delles, o capitão as porá e leverá d’ellas aquelles direitos e tributos que em meus reinos e senhorios se costumam e lá em câmara for taxado que teve e for confirmado por mim.
Item, cada um dos tabeliães do publico e judicial que nas villas e povoações houver será obrigado a pagar ao dito capitão 500 rs. De pensão em cada um anno.
Item, os moradores e povoadores da dita capitania serão obrigados em tempo de guerra a servir nella com o capitão se lhe necessário for notificar, ao capitão que ora é e ao diante for, e ao meu feitor almoxarife e officiaes della ou juizes ou justiças da dita capitania e a todas as outras justiças e officiaes de meus reinos, assim das justiças como da fazenda, e mando a todos em geral e a cada um em particular que cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar esta carta foral sem lhe pôrem duvida alguma nem embargo, poque assim é minha mercê; e por firmeza della mandei passar, etc.etc.Dada em a cidade de Évora aos 29 dias do mez de Fevereiro dp anno de 1536. Rei.Luiz do Couto Telles, fidalgo guarda-mór da Torre do Pombo, a fez. Etc.,etc.
De posse dos documentos legais, que confirmavam o título de donatário, Pero de Góis da Silveira, saiu de Portugal após se recuperar dos ferimentos recebidos na batalha para tomar Iguape e prender o Bacharel de Cananéia, quando acompanhara ao longo de toda expedição de Martim Afonso de Souza, prestando inúmeros serviços a Coroa Portuguesa lutando contra os invasores, construindo engenhos e contribuindo para o sucesso da expedição colonizadora.
Autorizado assim e prevendo d’antemão um futuro repleto de riquezas e poderio, Pero de Góis, apesar dos poucos recursos que tinha, chegou a São Vicente e de lá partiu em companhia do seu amigo Martim Garcia, juntamente com Luiz de Góis, seu irmão, e outros membros da família, e pouco mais de dez colonos para os sertões ainda inexplorados e fundar em 1538 uma povoação, o que fez nas proximidades do Rio Itabapoana, naquela época, denominado de Managé, e segundo o historiador Fernando José Martins, também conhecido como rio Reritigbá, (nome dos indígenas). O que acredito ser um equívoco do historiador, tendo em vista que em todas as pesquisas que fiz, não pude ver confirmada esta informação, sendo reritigbá nome de outro rio que fica no Espírito Santo.
Depois de explorar toda a costa de sua capitania, resolveu Pero de Góis desembarcar na enseada do Retiro, a poucas braças ao sul da Barra do Itabapoana, lugar elevado até a praia do mar extremamente aprazível, que de toda extensão de sua capitania considerou aquele o lugar mais apropriado ao fim a que se propunha.
Rememorando aqui que a sua capitania iniciava na foz do rio Itapemirim indo até ao Rio Macaé.
Edificada a Vila, formada por casebres de taipa e levantando a capela de Santa Catarina, (conseqüentemente o primeiro templo religioso de nosso território) a qual deu o nome de Vila da Rainha, com intento de lisonjear e homenagear a Rainha Catarina, mulher de D. João III. Pero de Góis que havia trazido de São Vicente cabeças de gado e mudas de cana-de-açúcar, iniciou as plantações de cana, sendo certo se tratar das primeiras das terras do atual Estado do Rio de Janeiro.
Após percorrer extensões de terra e insalubres brejais, a maioria dos homens que vieram com o donatário adoecera de febre palustre, retardando os trabalhos de plantio, preparação da terra e construção do engenho para industrialização do açúcar, meta a ser atingida.
Toda essa região, naquela época, além dos brejais, de um matagal bravio e espesso era tomada por densa mata, que dificultava a caminhada e exploração da terra. Em um trecho da carta de Pero de Góis ao Rei de Portugal, dizia ele: “as quais em andar andei perto de dois meses, por a terra ser cheia de arvoredos”.
Além de todas as dificuldades naturais a serem enfrentadas para desenvolver a sua capitania, outra iria trazer ao donatário sérios problemas, pois a sua capitania estava localizada, justamente em pleno território tribal dos Goytacazes, que era uma das únicas nações indígenas da costa do Brasil que não pertenciam ao grupo lingüístico tupi-guarani, que junto com seus vizinhos, os ferozes Aimorés ou Botocudos tinham resistido à invasão Tupi do litoral brasileiro. Tendo ainda a presença constante e preocupante dos andantes PURIS, cuja prática a antropofagia foi relatada pelo historiador Saint-Hilaire. “Quando esses Índios matam algum inimigo saboreiam sua carne como se fosse um manjar delicado...”
Índio Purí
Botocudos, Puris, Goitacás e Maxacalis ou Gamelas.
“Os selvagens da grande família chamada “puris” se dividem em várias tribos, constantemente em guerra. O nome genérico da nação, ”PURI”, tem sua origem na língua dos Coroados, e quer dizer audaz ou bandido.
Esse “nome insultante foi-lhes dado pelos Coroados (antigos Goitacazes) por causa da guerra contínua que lhes moviam.”
“Os Botocudos descendem dos antigos Aimorés, da raça dos Tapuias (botocudos ou puris). Edgereck-mung é o nome verdadeiro na sua própria língua”.
Botocudos, foi o nome que os portugueses deram a estes silvícolas por causa da forma de pedaços de madeira introduzidas nas orelhas e lábio inferior.
Esta “raça de selvagens foi sempre considerada a mais feroz e a mais terrível entre os Tapuias.”
Os ferozes Índios Botocudos ou Aimorés
Apesar dos poucos recursos que dispunha e das incontáveis dificuldades imposta pela natureza, razão do desânimo dos colonos, Pero de Góis estava determinado a vencer todos os obstáculos, e a sua pertinácia e o seu esforço provocava a cobiça dos colonos, o que permitiu avançar pelas terras dentro, abrindo caminhos e fazendo novas plantações.
Em 14/08/1539, anos depois de instalada a sua capitania, foi que assentou os limites da Capitania de São Tomé com a Capitania do Espírito Santo de Vasco Fernandes Coutinho, tendo com ele se reunido e de forma amistosa e de comum acordo definido os limites entre os dois lotes.
Pero de Góis viveu em paz com os selvagens durante quatro anos, que inclusive o auxiliaram nas suas plantações, e estava convencido de que obteria o sucesso desejado, mas que dependeria de novos recursos para concretizá-lo, pois sem esses capitais não poderia aumentar as lavouras, industrializar a cana, realizar instalação de um engenho de açúcar, adquirir os maquinários, que seriam importados, em geral da Ilha da Madeira o que exigia muito dinheiro; e também era preciso contratar técnicos e funcionários especializados os quais demandariam altos salários; foi quando resolveu voltar a Portugal, e assim o fez em março de 1542, e com ele seguiu seu irmão Luiz de Góis à procura de um sócio capitalista que estivesse disposto a investir na implantação da indústria açucareira, deixando a responsabilidade de administrar a capitania com o seu lugar-tenente Jorge Martins.
Em Portugal Pero de Góis conseguiu convencer a entrar no negócio o rico mercador de ferragens Martim Ferreira que era um cristão novo disposto a aplicar certa quantia para desenvolver a indústria açucareira na capitania.
Enquanto Pero de Góis tratava dos negócios de interesse de sua capitania, o seu irmão Luiz de Góis tornava-se o primeiro europeu a introduzir o uso de tabaco na Europa, que chamado de “erva-de-fumo”, era no Brasil muito usado pelos indígenas.
Ao retornar para a sua Capitania de São Tomé no final de 1543, feliz com o êxito dos entendimentos que havia feito na Capital Portuguesa e com muita disposição; trazendo ferramentas e novos colonos, certo de que com os recursos conseguidos seria possível incrementar todos os planos que tinha em mente, e que a prosperidade da capitania estava garantida, chegando à Vila da Rainha, Pero de Góis a encontrou toda destruída, devastada, abandonada pelos colonos que tinham se embrenhado nas matas, e da gente que havia deixado poucas encontrara, em razão do administrador Jorge Martins, que também fugiu, haver tentado durante a sua ausência, escravizar os índios para os serviços da capitania. As incursões escravagistas e os maus-tratos recebidos provocaram a revolta e o ataque dos silvícolas que destruíram tudo.
Pero de Góis diante daquele quadro triste, vendo toda sua obra destruída, pensou até em desistir, mas não podia desanimar, além do mais pensou como pagaria o financiamento que obtivera em Lisboa.
Imediatamente deu início à dura tarefa de reconstrução, refazendo todos os planos da Vila da Rainha. Procurou de novo conquistar a simpatia dos índios e realizar novas plantações. Enquanto aguardava o tempo necessário para as colheitas, decidiu explorar o rio Managé onde em sua margem construiu o primeiro engenho, nas proximidades da Vila da Rainha.
Dirigindo-se ao Espírito Santo, dali trouxe um oficial de engenhos e “mestre do açúcar”.
Nos dois anos seguintes outros quatros engenhos e novas povoações foram erguidos, conforme relata em trecho de sua carta: “Depois de me vir e largar no Rio Paraíba nossa fazenda que fazíamos detreminei ver augoas que nesta terra onde figuo avia e Luiz de Góis ao presente estava, as quais em andar andei perto de dois meses, por a terra ser cheia de arvoredos, e os índios pouco práticos no que nós queremos nelas... Estes duos homens com outros duos que pêra isso assoldadei, vão arrotear e a fazer com os índios muita fazenda e plantar hua ilha que já tenho pelos índios roçada de canas.”
Em 18 de agosto de 1545, o donatário escreveu a seu sócio Martim Ferreira que ficara em Portugal, dando-lhe conta do empreendimento e que esperava exportar dentro de um ano, “2000 arrobas de açúcar” e solicitou que contratasse uns vinte artífices e sessenta escravos africanos, sendo dez para os trabalhos agrícolas e cinqüenta para trabalhar nos engenhos de açúcar.
Tudo ia muito bem, a capitania progredia até que uma nova tragédia se abateu sobre ela.
No dia 31 de maio de 1535 o rei D. João III declarou as Capitanias do Brasil como território de couto e homizio, ou seja, uma região na qual qualquer crime cometido anteriormente em outros lugares ficava prescrito e perdoado. O Brasil transformou-se assim, numa das colônias para a qual os condenados de Portugal eram enviados para cumprir degredo, e no dia 5 de outubro de 1535 o rei determinou que os degredados que antes eram enviados para as Ilhas de São Tomé e Príncipe na costa ocidental da África, passasse a ser enviados para o Brasil. Com isso vários donatários foram forçados a receber centenas de degredados. Entre eles haviam os punidos por questões ficais; que no Brasil se dedicaram às atividades produtivas; e os condenados por outros crimes, que tinham costumes pervertidos, trazendo no próprio corpo a cicatriz de sua infâmia, em razão de terem sido marcados com ferro em brasa ou com orelhas cortadas, que ao chegarem ao Brasil se envolviam com a pirataria e o tráfico de escravos indígenas.
Certo dia partiu da Capitania do Espírito Santo um grupo de piratas da costa, liderados por Henrique Luiz de Espina, com o intuito de capturar e escravizar os nativos da capitania de São Tomé, tendo nesta empreitada, aprisionado alguns índios, e entre os que tinham capturado se achava um dos chefes e dos principais lideres Goitacá e que era muito amigo dos cristãos, tendo, no entanto, Henrique Luiz Espina aproveitado desta situação e exigido um resgate para libertá-lo, que foi pago, porém o corsário após receber o resgate, além de não devolver o refém como havia negociado, o entregou para uma tribo inimiga que o devorou.
Diante do grande insulto, de terem sido enganados e de tamanha traição, os Goytacazes ficaram irados e revoltados, assaltaram as povoações e os engenhos, incendiaram os canaviais e destruíram os instrumentos que lhes caiam às mãos, mataram vários colonos, destruíram inclusive as peças de artilharia, arrasando toda a capitania.
Foi uma batalha que durou mais de cinco anos.
Pero de Góis por mais que tenha lutado nada pode contra a massa de índios. Desanimado, ferido, tendo perdido um olho na refrega, viu-se de novo dissipar a esperança no sucesso de sua capitania.
É o próprio Pero de Góis quem relata toda essa tragédia ao rei D. João III, em carta datada de 29 de abril de 1546, existente no arquivo Português: “E se vieram logo a uma povoação minha pequena, que eu tinha mais feita, e estando a gente segura, fazendo suas fazendas, deram nela e mataram três homens, e os outros fugiram e queimaram os canaviais todos com a mais fazenda que havia e tomaram toda quanta artilharia havia, e deixaram tudo destruído. Indo as novas a mim, acudi com toda gente que pude e quando lá fui esta tudo destruído.”
Pobre e sem recursos, muito envergonhado pelos prejuízos que deu a aqueles que nele confiaram; arruinado e desgostoso, tendo gasto o que possuía, e bem assim, pelos 15 anos perdidos nesta terra, retirou-se com todos os seus e algumas famílias de colonos, largou o engenho, deixando de mão tudo que com tanto trabalho e esperança tinham construído, fugindo para a vizinha Capitania do Espírito Santo, ali permanecendo até retornar para Portugal. Para isso recebeu o apoio de Vasco Fernandes Coutinho donatário da Capitania do Espírito Santo, que lhe concedeu algumas embarcações.
Merecia melhor sorte o donatário, muito tinha feito para conquistar a sua capitania, foi com muito trabalho e muito custo que a implantou, e a administrou com competência, enfrentando a solidão e tantas outras dificuldades.
Peça de artilharia tomada pelos índios conforme citação de Pero de Góis “tomaram toda quanta artilharia havia”, tendo sido encontrada no ano de 1840 que examinada por qualificado perito disse tratar-se de uma peça fundida no reinado de D. Manuel, ou com moldes desse tempo, por ter uma esfera armilar abaixo das armas portuguesas.
-Com referência a este canhão, assim comentou Fernando José Martins em sua obra editada no ano 1868:
“Em uma fazenda do sertão de Cacimbas, distando da costa 3,500 braças, (fazenda São Pedro) e da antiga povoação do primeiro descobridor (donatário) Pedro de Góes (Pero de Góis) obra de 5 léguas, encontrou-se há 20 annos, quando se roçava o mato, uma peça de bronze de 4 ¹/² palmos de comprimento; notava-se muito mal as armas portuguezas, e com certa diferença e distintivo que bem se póde julgar ter sido fabricada durante os 60 annos que Portugal soffreu o jugo de Castella; ainda mais porque sendo de presumir que este canhão fizesse parte da artilharia portatil daquelle descobridor, e fosse ahi deixada em tempos que combateu com os botecudos,ao ponto de desemparar a capitania pelos annos de 1622, não póde deixar de prevalecer esta Idea, se conbinarmos esta data com a de 1580 em que começou aquelle domínio.
Para prevalecer a conjuctura de ser com effeito esta arma ali levada pelas phalanges do infeliz donatário, basta a circunstancia muito notável de não haver até o presente noticia alguma de outras guerras ou ligeiros choques nos matos desta capitania, antes ou depois do descobrimento, que podesse facilmente explicar o singular achado de uma boca de fogo em matas incultas e desertas. Devia ser de muita importância que deixassem prevalecer o interessante monumento no mesmo sitio e posição em que foi encontrado.
Por isso, em quanto outras provas não forem publicadas, ficamos convencidos de que Gil de Góes levou a guerra muito alem, do que se supunha, e que para destruição dos Aymorés foi-lhe preciso embrenhar-se no continente; esforços que não logrou, porque sucumbio afinal aos repetidos e costumazes ataques daquelle gentio.”
A capitania, no entanto ficou completamente abandonada. Ficaram nela alguns criminosos e escravos fugidos que tinham a guarida dos índios. Os criminosos escapados das justiças das capitanias vizinhas se homiziaram na região.
O novo donatário tomou posse da Capitania.
Gil de Góis da Silveira, descendente e sucessor de Pero de Góis, obtendo a confirmação da herança, no início do século seguinte, associado com João Gomes Leitão, resolveu assumir a Capitania que herdara. Começando a fazer novas lavouras. Só que não se interessou pelo repovoamento da vila destruída nas imediações do Rio Itabapoana. Preferiu instalar-se nas margens do Rio Itapemirim. Levantaram uma povoação, no Baixo dos Pargos, denominando-a de Santa Catarina das Mós, e construíram um engenho para industrializar as canas de açúcar que plantaram nas imediações.
Não se sabe muito ao certo, se Gil de Góis era mesmo filho ou neto de Pero de Góis, se havia nascido no Brasil ou em Portugal. Assim questionou o historiador Fernando José Martins. Baseando-se nas combinações do tempo em que Pero de Góis aportou às nossas praias e delas se retirou com o artigo que se ler na carta de doação, da mesma capitania, feita ao visconde d’Asseca, quando diz: “e tendo nos attenção a haver Gil de Góis deixado há mais de quarenta annos para a coroa a dita capitania da Parahyba do Sul...” datada de 1674. O que deduz ter a colônia do primeiro mandatário haver perdurado mais de 70 anos. Não apenas uns poucos como faziam crer alguns historiadores. E ainda o fato de Pero de Góis nunca haver mencionado a respeito do filho.
Entretanto, todos os papéis vindos de Lisboa, nos últimos tempos da colônia; nas cartas do Visconde d’Asseca; os títulos por que ainda hoje se conhecem os lugares de Santa Catarina dos Amós, tais como a barreira de Gil de Góis e outros; assim como também o socorro pedido á capitania do Espírito Santo, tudo é feito e dirigido por Gil de Góis da Silveira, filho e imediato herdeiro e sucessor do capitão Pero de Góes.
Sabe-se que Gil de Góis abandonou a capitania entre os anos de 1619 a 1622, por não ser possível resistir à fúria dos indígenas, entregando a Felippe IV de Castella, que então reinava Portugal, todos os seus títulos e direitos, renunciando em benefício da coroa toda a posse e domínios antes adquiridos.
Assim como aconteceu a Pero de Góis, que teve a sua Vila da Rainha totalmente destruída pelos índios, se deu com Gil de Góis nas margens do rio Itapemirim, onde fundou uma vila denominada de Santa Catarina. A união dos Goytacazes e Xipotós com os bravos Botocudos ou Aymorés, deu o derradeiro e último golpe as pretensões do donatário, em razão do desfecho de um caso amoroso entre ele e a bela filha de um cacique em terras capixabas.
Gil de Góis, entre outros indígenas que conseguiu domesticar, acolheu uma menina, filha de um cacique de uma tribo da vizinhança, a quem batizou com o nome de Catarina. Crescendo no corpo, na idade e na formosura, tornando-se uma bela mulher, não teve forças para resistir aos encantos da atraente afilhada, nem tão pouca esta aos amorosos cuidados e carinhos do donatário. A esposa deste, D. Francisca de Aguiar Manrique percebendo, e tomada de extremo ciúme, começou a maltratar com palavras a jovem, que preocupada e não suportando as agressões, incessantemente pedia a seu amante que a levasse para outro lugar, distante de sua perseguidora, que aproveitando da ausência do marido, aprisionou-a num tronco, vingando-se com muitas chicotadas. Vítima deste bárbaro castigo, não mais suportando as agressões, a índia foge e correu para o mato em busca de seus parentes. O estado lastimável em que apareceu diante deles, com o corpo todo ensangüentado, fez jurar vingança e guerra de morte contra aquele, no pensar da tribo, era a causa e responsável pelo martírio de sua bela conterrânea. Os índios atacaram a vila e de lá expulsou toda a colônia, que se evadiu com o socorro de Vasco Fernandes Coutinho, escapando ás cruéis vinganças e suplícios que lhes estavam destinados.
Depois deste episódio, as terras da capitania que por muitos anos ficou abandonada, passaram a ser ocupadas a partir de 1630. O que contarei mais adiante.
Quando passo pelo nosso litoral, onde se deram os acontecimentos da nossa colonização, volto o meu pensamento há aquele tempo e fico a imaginar com emoção, refletindo na mente a imagem daqueles corajosos desbravadores, que vindos de terras distantes, aqui aportaram e lutaram para abrir os caminhos por onde tantos percorreram para que chegássemos aos dias e situação atuais.
E assim pensando, olho para um lado e para outro, e pergunto em silêncio: De qual parte vieram? Do norte ou do sul? Em que condições aqui chegaram? Durante quanto tempo navegaram? Exatamente em qual ponto aportaram? Por que escolheram aqui? Como foi o desembarque? Aonde foi, exatamente, implantada a Vila da Rainha?
Fico a imaginar toda essa região com densa mata, com aqueles matagais bravios e espessos, com todos aqueles brejais quase que intransponíveis, ainda sem caminhos e sem trilhas.
Fico a imaginar os indígenas, habitantes nativos, com suas vidas e costumes. O que sentiram quando viram os brancos chegando? Para eles invasores, e para a história; conquistadores, desbravadores e colonizadores, aportando seus navios, penetrando na terra, vestidos, armados e dizendo donos daquilo que só eles, os indígenas, conheciam, aqui viviam e até então sabiam existir.
E a batalha perdida por aquele que deu origem a esta história? Cansado, derrotado, abatido; que edificou aqui o primeiro engenho de açúcar plantou a primeira cana-de-açúcar das terras fluminense, edificou o primeiro núcleo habitacional e marco da nossa colonização, edificou aqui a primeira igreja, nos dando hoje, o direito e orgulho de dizer; que a primeira cana de açúcar do Estado do Rio de Janeiro foi plantada aqui, na nossa terra, que está incluída na história do Brasil. Fico ainda a imaginar o sofrimento de Pero de Góis, o que teria passado o que sentiu ao ver todo o seu sonho e trabalho completamente destruídos?
Passados alguns anos, em 19 de agosto de 1627, uma parte das terras da capitania, que começavam no Rio Macaé até o Rio Iguassú foi doada aos Sete Capitães. Que fizeram a partilha entre si em 1634, dedicando-se exclusivamente a pecuária.
Daí vários acontecimentos ocorreram no território da capitania, então dividida, até que em 15 de setembro 1674, o General Salvador Correia de Sá e Benevides conseguiu para seus filhos, o 1º Visconde de Asseca, Martim Correia de Sá e João Correia de Sá, a doação da Capitania de São Tomé depois conhecida por Paraíba do Sul.
Antes mesmo de desembarcar no local denominado “Ponta do Retiro”, Pero de Góis participou da expedição colonizadora de 1530 como auxiliar de Martin Afonso de Souza. Era ele um militar português, muito honrado, cavaleiro experimentado. guerreiro nato, notabilizado pela bravura e capacidade de comando. Considerado de grande tenacidade e perseverante. Lutou muito aqui no Brasil contra os invasores espanhóis, tendo sido gravemente ferido em combate na Barra de Icapara. Foi construtor do engenho da Madre de Deus, no sopé da serra do quilombo, às margens do rio Jarubatuba, entre outras importantes e inestimáveis ações desenvolvidas em terras brasileiras.
É importante ressaltar aqui os feitos de Pero de Góis, e por isso o faço, pois é inegável que a sua decisão de implantar aqui a sede de sua Capitania, o coloca como o primeiro vulto de nossa história. Sendo ele, Pero de Góis da Silveira (nome completo), o primeiro senhor de engenho do Estado do Rio de Janeiro, dando inicio a uma atividade que foi se desenvolvendo. Sendo disseminada pelo território da capitania e mais tarde formou o grupo de ricos usineiros da região, especialmente de Campos dos Goytacazes.
É verdade, que diante das dificuldades das Capitanias Hereditárias prosperarem, havendo a ameaça da secessão, de desintegração, até mesmo pela discórdia entre as próprias capitanias, o que poderia deter a marcha ascendente do Brasil: os franceses de um lado, os portugueses de outro: escrevia Luiz de Góis à Corte de Lisboa – “Se dentro de pouco tempo Vossa Alteza não acudir às capitanias e costas do Brasil, então perderemos vida e propriedade; Vossa Alteza perderá, porém, o país”.
Diante disso, surgiu em D. João III, sério interesse pela colonização do Brasil. E a conselho de Pero de Góis, donatário da Capitania de São Tomé, buscou, de novo, meio apropriado de resolver a situação, chegando à conclusão de que a própria Coroa deveria interessar-se inteiramente na colonização brasileira, estabelecendo aqui uma capitania real, que deveria ser bastante forte para proporcionar às outras, auxílio e proteção, sempre que disso precisassem.
Culminando, dessa forma em 1548, com a aquisição da capitania da Bahia e a nomeação de um Governador Geral para o Brasil, sendo essa a primeira medida que realmente contribuiu para a unidade nacional.
Cabendo a Tomé de Souza, primeiro Governador Geral a missão de unificar a colônia e lançar a semente do Estado.
Assim volta Pero de Góis ao Brasil, na função de capitão-mor da costa, ao qual competia velar pelos negócios do mar e perseguir os corsários. Tendo organizado uma flotilha de duas caravelas e um bergantim, e sob o seu próprio comando visitou todas a vilas marítimas das várias capitanias, usando as medidas necessárias para regularização dos serviços, ensejo que reprimiu a audácia de traficantes franceses em algumas baías. O mais importante resultado colhido nesta ação foi verificar até que ponto tinha os franceses adiantados na invasão desta parte da costa, o que ameaçava perigosamente as colônias portuguesas. Principalmente Pero de Góis, pelo dever de seu posto, não cessou mais de clamar, escrevendo continuamente para a Corte, e insistindo junto do Governador Geral por urgente ação decisiva contra os intrusos. Encerrando desta maneira a sua trajetória neste País.
Capitania de São Tomé
A colonização do atual território sanfranciscano, princípio da história de São Francisco de Itabapoana, começa com a posse de Pero de Góis das terras de sua capitania e a edificação da Vila da Rainha.
Localização da Vila da Rainha
Área situada em Barra do Itabapoana, onde provavelmente tenha sido edificada a Vila da Rainha.
Apesar de haver divergências entre os historiadores quanto à localização exata da “Vila da Rainha”, e certamente elas continuarão a existir, conclui-se, no entanto, que o mais provável é que tenha sido exatamente nas proximidades do Rio Managé, (hoje Itabapoana) o exato local da edificação, pois os únicos documentos autênticos da época, que fazem referência a Vila da Rainha, dão por assim entender, são duas cartas de Pero de Góis enviadas a Martin Ferreira, seu sócio, em 18 de agosto de 1545 e ao Rei de Portugal D. João III em 29 de abril de 1546, com o seguinte teor: “Fiqua o primeiro engenho daugoa com oitocentas braças de três levadas de palmos sos em largo e três em fundo por terra muito chãa e sem trabalho e trazem na á borda do Rio sobre hum outeiro...” – “digo que isto neste próprio rio de Manajé donde estou o qual vem nelle dar outros rios...ora por este rio a riba onde começa de cahir de quedas e té onde boamente podem os barcos ir, fui ver e achei poderem se fazer quantos engenhos quizermos, por ser um rio onde podem entrar navios como esse em que vim, em tempo das agoas. ... a olho no mais fica o primeiro engenho d’agoa com 800 braças de levada de 3 palmos sós em largo e trazem na borda do rio, sobre um outeiro, e damos a queda que é de 60 palmos para riba. Em baixo na borda do rio fica o engenho e podem chegar as barcas... não tem mais esta terra senão ser 10 leguas por agoa e 7 por terra, onde lhe mandei abrir um caminho, que pode um carro sem molhar pé, chegar ao engenho, cavallos e tudo que o homem queira. Anda-se um dia por terra... assim que pelo rio se pode acarretar o assucar...Entretanto que estes homens roçam, faço eu cá no mor dos engenhos de Cavallo... desta sua vyla da Rainha oje 18 de agosto de 1545.”
Também assim entenderam os historiadores Fernando José Martins “seu descobrimento e primitiva fundação prende-se ao tempo do estabelecimento de Pero de Góis, pois que a mui poucas braças da barra deste rio para o sul fundou aquelle capitão a primeira povoação de sua capitania” - “História do Descobrimento e Povoação de São João da Barra e Campos dos Goytacazes” em 1868; Alberto Lamego, quando escreveu “a poucas braças ao sul do Rio Managé” - “Terra Goitacá” em 1913; Alberto Ribeiro Lamego, “O Homem e o Brejo”, em 1945 ao dizer que o donatário “em 1538 finca esteios do primeiro vilarejo ao sul de Barra do Itabapoana”, e João Oscar em “Apontamentos para a História de São João da Barra” em 1976, também conclui dessa forma.
Já Vicente do Salvador, “História do Brasil” diz que Pero de Góis foi tomar posse de sua capitania, com uma boa frota, que fez em Portugal á sua custa, bem fornecida de gente e todo o necessário, e no chamado rio Paraíba, que está em vinte e um graus e dois terços, se fortificou e fez uma povoação.
Assim ainda descreve o Fr. Vicente sobre a capitania... ”No distrito desta terra e Capitania cá he a terra dos Aitacazes, que he toda baixa, e alagada, onde estes Gentios vivem mais á maneira de homens marinhos, que terrestres; e assim nunca se poderão conquistar, posto que a isso farão... por que quando se há de vir ás mãos com elles, metem-se dentro das lagoas, onde não há entral-os a pé nem a cavallo, são grande fúzios e nadadores, e a braços tomão o peixe ainda que sejão tubarões, pêra os quaes levão em huma mão hum pau de palmo pouco mais, ou menos, que lhes metem na boca direito, e como o tubarão fique com a boca aberta, que a não pode serrar com o pau, com a outra mão lhe tirão por ella as entranhas, e com ellas a vida, e o levão para a terra não tanto pêra os comerem, como pêra dos dentes fazerem as pontas das suas frechas, que são peçonhentas e mortíferas, e pêra provarem forças e ligeireza, como também dizem que as provão com os veados nas Campinas, tomando-os a cosso, e ainda com onças e outros ferozes animais...”
Revela ainda o Fr. Vicente do Salvador, que durante os dois primeiros anos tudo ocorreu muito bem. “... e depois se lhe levantou o Gentio, e o teve em guerra cinco ou seis annos...”
Gabriel Soares escrevendo Tratado Descrptivo do Brasil diz: “São concordes o Major Fernando José Martins e Dr. Cezar Augusto Marques, que no lugar chamado Campo, entre a ponta de Manguinhos e o rio Itabapoana, perto da ponta do Retiro se achara vestígios de antiga povoação... O que fez com que pero de Góis ali levantado uma engenhoca e uma capela, que ficaram depois abandonadas...”
Dessa controvérsia ainda participaram outros historiadores. São da mesma opinião que Pero de Góis fundou sua capitania nas proximidades do Rio Managé: Aires de Casal, Millet de St. Adolphe, Julio Feidit, e Augusto de Carvalho. Já, Varnhagem, C. Malheiros Dias, Teixeira de Melo, Beauchamp, Pereira da Silva, Rocha Pombo, Gallanti, Gabriel Soares e Wardem, estão entre os afirmam que a Capitania foi instalada as margens do Rio Paraíba.
Enganos históricos existem muitos. Alguns historiadores se baseiam apenas em informações colhidas ou copiam outros sem se certificarem da sua veracidade. Outros sequer se aprofundam nas pesquisas para detalhar com maior clareza os fatos. Exemplo: Lendo “História do Brasil,” de Vicente Tapajós, da Companhia Editora Nacional, já na sua 13ª edição, com referência a Capitania de São Tomé, encontra-se apenas: “Muito pouco pode ser dito da capitania de S. Tomé, também chamada Paraíba do Sul. Pero de Góis, que a recebeu, deve ter sido indicado ao rei por Martim Afonso de Sousa pelos muitos serviços prestados em S. Vicente.”
“Fundou a vila da Rainha, iniciou a cultura da cana, mas, saindo em busca de maiores recursos, teve a tristeza de ver destruído o que fizera, por causa dos abusos, de alguns dos povoadores.”
Outro exemplo encontra-se em “História do Brasil” pag. 65, 14ª edição, de João Ribeiro, ricamente prefaciado por grandes nomes da literatura, que diz: “Pero Góis da Silveira – PARAIBA, isto é, de Cabo Frio a Itapemirim. O donatário fundou a Vila da Rainha, no rio Paraíba. Na sua ausência foi à capitania ferozmente atacada pelos goitacás.”
Daí muitos erros, que acabam mudando fatos ou provocando dúvidas e incertezas.
Houve verdadeiramente outras povoações feitas por Pero de Góis, não a de Santa Catarina das Mós, como afirmam Aires Casal, Augusto de Carvalho, Julio Feidit e Milliet de St. Adolphe; esta foi estabelecida por Gil de Góis, herdeiro, segundo donatário da capitania, á margem do Rio Itapemirim, que foi denominado de Santa Catarina, por Vasco Fernandes Coutinho e Pero de Góis da Silveira, conforme consta da Carta de Confirmação dos limites das suas capitanias, datada de 12 de março de 1543.
-Isso está muito claro. Conforme afirma o próprio Pero de Góis em suas cartas, quando relatou haver encontrado a primeira povoação destruída. “... assim que mais por servir a S.A. do que pelo gosto que della tive, a não larguei e deixei, mas antes assentei de novo, comecei a povoar por um rio a cima, obra de 10 leguas do mar, por não haver agoas mais perto, onde fiz uma mui boa povoação, com muitos moradores, muita fazenda, a qual a elles e a mim custou muito trabalho, por ser terra adentro...” E posteriormente, quando houve outro ataque dos índios “... “Depois de me vir e largar no Rio Paraíba nossa fazenda que fazíamos detreminei ver augoas que nesta terra onde figuo avia”.
Afirma Fernando José Martins, que no lugar chamado o Campo, entre ponta de Manguinhos e o Rio Itabapoana, perto da ponta do Retiro se acharam vestígios de antiga povoação, e em um cômoro umas mós, o que fez com que tendo Pero de Góis ali levantado uma engenhoca.
Se o próprio Pero de Góis afirmou que a nova povoação era, como a primeira, no Rio Managé, qualquer outra afirmativa não pode ser considerada. Ainda mais, se ficava num lugar onde havia quedas d’água que tocavam o engenho, e sabe-se, que da foz do rio Paraíba, rio acima, na extensão de 10 léguas, não se encontra nenhuma cachoeira.
Toda a história deve ser firmada em documentos legítimos, fidedignos, autênticos, pois sem estes não há história, e esta não pode ser fruto de hipóteses ou meras conclusões.
Fica dessa forma restabelecida a verdade histórica:
-A Vila da Rainha foi edificada próximo ao Rio Managé, à sua margem direita; (hoje Rio Itabapoana)
-O primeiro engenho de açúcar também foi construído junto ao Rio Managé;
-Fica ainda comprovado que neste local, hoje Município de São Francisco de Itabapoana-RJ, foi edificado o primeiro núcleo habitacional; construída a primeira capela ou igreja; construído o primeiro engenho; foi plantada a primeira cana-de-açúcar; foram feitas as primeiras lavouras de subsistência; trafegou o primeiro carro de bois; cavalgaram os primeiros eqüinos; onde pisaram os portugueses (primeiros homens brancos), em toda faixa compreendida: do Rio Macaé, norte do Estado do Rio de Janeiro, todo o noroeste deste mesmo Estado, até o Rio Itapemirim ao Sul do Estado do Espírito Santo.
Vila da Rainha edificada por Pero de Góis em 1538 nas proximidades do rio Managé (agora Itabapoana). Primeiro núcleo habitacional e marco da colonização do território do hoje Município de São Francisco de Itabapoana.
D. João III, rei de Portugal, entregou a Pero de Góis a Capitania de São Tomé, depois denominada de Paraíba do Sul, por Alvará de 10 de março de 1534 e por Carta de Doação de 29 de fevereiro de 1536, atendendo a um pedido pessoal de Martim Afonso de Sousa, seu leal assessor no Brasil.
A Capitania correspondia a um lote de 30 léguas de largura que se iniciava ao sul da foz do rio Itapemirim e se prolongava até a foz do rio Macaé, limitando-se por um lado com a Capitania do Espírito Santo e por outro com a Capitania do Rio de Janeiro, que pertencia ao mesmo donatário da S. Vicente..
Foi este o último lote doado pela Coroa Portuguesa, ficando definido o nome dos 12 donatários, representantes do Rei de Portugal na Colônia.
Termos das Cartas de Doação e Foral:
Dom João III, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves d`aquém e d`além mar, África senhor de Guiné e da conquista, navegação, comércio da Ethyopia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. A quantos esta minha carta virem, faço saber que eu fiz ora doação a mercê a Pero de Góis, fidalgo da minha casa, para elle e todos os seus filhos, netos herdeiros e sucessores, de juro e herdade para sempre, da capitania de 30 leguas de costa das minhas terras do Brasil, segundo mais inteiramente é conteúdo e declarado nesta minha carta de doação que da dita terra lhe tenho passado, e por ser muito necessário haver foral de direitos, foros e tributos, e cousas que na dita terra hão de pagar, assim do que a mim e a coroa dos meus reinos pertencem aos ditos capitães por bem de suas ditas doações, eu havendo respeito á qualidade da dita terra e a ora novamente ir morar e povoar e por folgar de lhe fazer mercê houve por bem de mandar ordenar e fazer o dito foral na fórma e maneira seguinte:
Item, primeiramente o capitão da dita capitania e seus sucessores darão e repartirão todas as terras dellas de sesmarias a qualquer pessoa de qualquer idade e condição que seja, contanto que sejam christãos, livremente sem foro nem direito algum, somente o dízimo que serão obrigados a pagar á ordem do mestrado de Nosso Senhor Jesus Christo, de tudo o que nas ditas terra houver, as quaes sesmarias darão na fórma e maneira que se contem nas minhas ordenações, e não poderão tomar terras algumas de sesmarias para si nem para sua mulher e nem para o filho herdeiro da mesma capitania, e porem podel-a-hão dar a outros filhos se os tiverem, e assim aos seus parentes como se em suas doações contem; e se algum dos seus filhos que não for herdeiro da dita capitania ou qualquer outra pessoa tiver alguma sesmaria por qualquer maneira que a tenha e vier a herdar a dita capitania, será obrigadodo dia que della succeder a um anno a largar e traspassar a tal sesmaria em outra pessoa, e não a traspassando no dito tempo, perderá para mim a dita sesmaria, e de mais outro tanto preço quanto ella valer; e por esta mando ao meu feitor ou almoxarife que na dita capitania por mim estiver, que em tal caso lance logo mão della para mim, e a faça logo assentar no livro dos meus papeis, e faça execução pela valia della, e não fazendo assim, hei por bem que perca o seu offício e me pague de sua fazenda outro tanto quanto montar a valia da dita terra.
Item, havendo nas terras da dita capitania, costa, rio, ou bahias della, qualquer sorte de pedrarias, pérolas, aljôfar, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou outra qualquer sorte de metal, pagar-seha a mim o quinto, e haverá o capitão sua dizima como se contem em suas doações, e ser-lhe-há entregue a parte que lhe na dita dizima montar, ao tempo que seu dito quinto por meus officiaes para mim arrecadar.
Item, o páo do Brasil da dita capitania e assim qualquer espécie de drogaria de qualquer qualidade que seja que n`ella houver, pertencerá a mim e será tudo meu e de meus sucessores, sem o dito capitão nem alguma outra pessoa poder vender nem tirar para meus reinos e senhorios nem para fora delles, sob pena de que se o contrário fizer perderá toda sua fazenda para a coroa do reino, e ser degredado para a ilha de S. Thomé para sempre. E por enquanto ao Brasil hei por bem que o dito capitão, e assim aos moradores da dita capitania se possam aproveitar delle no que na terra lhes for necessário, não sendo em o queimar, porque queimando-os incorrerão nas ditas penas.
Item, de todo pescado que se na dita capitania pescar, não sendo á cana, pagará o dizimo á ordem, e sobre a dita dizima hei por bem que se pague mais meia dizima, que é de vinte peixes um, a qual o dito capitão haverá e arrecadará para si, porquanto lhe tenho della feito mercê.
Item, quando o dito capitão, moradores e povoadores da dita capitania trouxerem ou mandarem a meus reinos ou senhorios quaesquer sortes de marcadorias que nas ditas terras houver, tirando escravos e as outras cousas que atraz são defesas, podel-o-hão fazer e serão recolhidas e agasalhadas em quaesquer partes, cidades ou villas dos meus reinos em que aportarem, e não serão constrangidos a descarregarem e nem venderem em quaesquer partes, cidades ou villas sem suas vontades, se por outras partes quizerem ir fazer seus proveitos, esquecendo-os fazer nos ditos logares de meus reinos, não pagarão dellas direitos alguns, somente a siza do que venderem; posto que pelos foraes, regimentos ou costumes dos taes logares forem obrigados a pagar outro direito ou tributo o poderão vender suas mercadorias a quem quizerem sem embargo dos ditos foraes, regimentos ou costumes que em contrário haja.
Item, todos os navios dos meus reinos e senhorios que á dita terra forem com mercadorias que já cá tenham pago os direitos em minhas alfândegas, e mostrarem disso certidões dos meus offíciaes dellas, não pagarão na dita terra do Brasil direito algum; se lá carregarem mercadorias para fora da terra ou reino, pagarão da sahida dizima para mim, da qual o capitão haverá uma redizima, como se contem em sua doação; e porem trazendo as taes mercadorias para meu reino ou senhorios, não pagarão da sahida direito algum, e estes que trouxerem as ditas mercadorias serão obrigados a dentro de um anno levar ou enviar á dita capitania certidões dos officiaes das minhas alfândegas do logar d´onde descarregaram de como assim o fizeram em meus reinos, e as qualidades das mercadorias e quantas eram; e não mostrando certidão dentro do dito tempo, pagarão a dizima das ditas mercadorias ou daquellas partes dellas que nos ditos meus reinos e senhorios não descarregaram.
Item, quaesquer pessoas estrangeiras que não forem naturaes de meus reinos e senhorios que á dita terra levarem ou mandarem levar gêneros ou mercadorias, posto as levem de meus reinos e cá tenham pago décimas, pagarão lá da entrada décima a mim das mercadorias, das quaes o capitão haverá sua redizima, e ser-lhe-há a dita redizima entregue por meus officiaes.
Item, de mantimentos, armas, artilharia, pólvora, salitre, enxofre, chumbo e quaesquer outras cousas de munição de guerra que á dita capitania levarem, ou mandarem levar o capitão ou moradores della ou pessoas estrangeiras, hei por bem que se não pague direitos alguns, e que os sobreditos possam livremente vender todas as ditas cousas e cada uma dellas na dita capitania ao capitão e moradores della que forem christãos e meus súbditos.
Item, todas as pessoas assim de meus reinos e senhorios como delles que á dita capitania forem, não poderão tratar nem comprar nem vender cousa alguma com o gentio da terra, e tratarão somente com o capitão e povoadores della, comprando, vendendo e resgatando com elles tudo o que puderem haver, e quem o contrário fizer, hei por bem que perca em dobro toda mercadoria e cousas que os ditos gentios contratarem, de que seja a terça parte para minha câmara, a outra parte para quem os accusar, e a outra terça parte para o hospital que na dita terra houver, e não havendo ahi, será para a fabrica da igreja d’ lla.
Item, quaesquer pessoas que na dita capitania carregarem seus navios serão obrigadas antes que comecem a carga e antes que saiam fora da dita capitania de o fazer saber ao capitão della para provar que se não tiraram mercadorias defesas, nem partirão assim mesmo sem licença do dito capitão; e não o fazendo assim perder-se-hão em dobro para mim todas as mercadorias que carregarem, posto não sejam de pesos; e isto porém se entenderá em quanto na dita capitania não houver feitor oficial meu deputado para isso, porque havendo ahi, a elle se fará saber o que dito é, e a elle pertencerá fazer as ditas diligencias, e dará as ditas licenças.
Item, o capitão da dita capitania, os moradores e povoadores, poderão livremente tratar, comprar e vender suas mercadorias com os capitães das outras capitanias que tenho provido da dita costa do Brasil, e comos moradores e povoadores dellas: convem a saber, de umas capitanias para outras, das quaes mercadorias não pagarão tributo algum.
Item, todo visinho e morador que vier á dita capitania ou for feitor ou tiver companhia com alguma pessoa que viver fora de meus reinos e senhorios, não poderá tratar com os brazis da terra, posto quesejam christãos; e tratando com elles, hei por bem que perca toda a fazenda com que tratar; da qual será um terço para quem o acusar, e os dous terços para as obras dos muros da dita capitania.
Item, os alcaides-móres da dita capitania e das villas e povoações della haverrão e arrecadarão todos os fructos, direitos e tributos que em meus reinos e senhorios, por bem das minhas ordenações, pertencem e são concedidas aos alcaides-móres.
Item, os rios da dita capitania em que houver necessidade de põr barcas para passagem delles, o capitão as porá e leverá d’ellas aquelles direitos e tributos que em meus reinos e senhorios se costumam e lá em câmara for taxado que teve e for confirmado por mim.
Item, cada um dos tabeliães do publico e judicial que nas villas e povoações houver será obrigado a pagar ao dito capitão 500 rs. De pensão em cada um anno.
Item, os moradores e povoadores da dita capitania serão obrigados em tempo de guerra a servir nella com o capitão se lhe necessário for notificar, ao capitão que ora é e ao diante for, e ao meu feitor almoxarife e officiaes della ou juizes ou justiças da dita capitania e a todas as outras justiças e officiaes de meus reinos, assim das justiças como da fazenda, e mando a todos em geral e a cada um em particular que cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar esta carta foral sem lhe pôrem duvida alguma nem embargo, poque assim é minha mercê; e por firmeza della mandei passar, etc.etc.Dada em a cidade de Évora aos 29 dias do mez de Fevereiro dp anno de 1536. Rei.Luiz do Couto Telles, fidalgo guarda-mór da Torre do Pombo, a fez. Etc.,etc.
De posse dos documentos legais, que confirmavam o título de donatário, Pero de Góis da Silveira, saiu de Portugal após se recuperar dos ferimentos recebidos na batalha para tomar Iguape e prender o Bacharel de Cananéia, quando acompanhara ao longo de toda expedição de Martim Afonso de Souza, prestando inúmeros serviços a Coroa Portuguesa lutando contra os invasores, construindo engenhos e contribuindo para o sucesso da expedição colonizadora.
Autorizado assim e prevendo d’antemão um futuro repleto de riquezas e poderio, Pero de Góis, apesar dos poucos recursos que tinha, chegou a São Vicente e de lá partiu em companhia do seu amigo Martim Garcia, juntamente com Luiz de Góis, seu irmão, e outros membros da família, e pouco mais de dez colonos para os sertões ainda inexplorados e fundar em 1538 uma povoação, o que fez nas proximidades do Rio Itabapoana, naquela época, denominado de Managé, e segundo o historiador Fernando José Martins, também conhecido como rio Reritigbá, (nome dos indígenas). O que acredito ser um equívoco do historiador, tendo em vista que em todas as pesquisas que fiz, não pude ver confirmada esta informação, sendo reritigbá nome de outro rio que fica no Espírito Santo.
Depois de explorar toda a costa de sua capitania, resolveu Pero de Góis desembarcar na enseada do Retiro, a poucas braças ao sul da Barra do Itabapoana, lugar elevado até a praia do mar extremamente aprazível, que de toda extensão de sua capitania considerou aquele o lugar mais apropriado ao fim a que se propunha.
Rememorando aqui que a sua capitania iniciava na foz do rio Itapemirim indo até ao Rio Macaé.
Edificada a Vila, formada por casebres de taipa e levantando a capela de Santa Catarina, (conseqüentemente o primeiro templo religioso de nosso território) a qual deu o nome de Vila da Rainha, com intento de lisonjear e homenagear a Rainha Catarina, mulher de D. João III. Pero de Góis que havia trazido de São Vicente cabeças de gado e mudas de cana-de-açúcar, iniciou as plantações de cana, sendo certo se tratar das primeiras das terras do atual Estado do Rio de Janeiro.
Após percorrer extensões de terra e insalubres brejais, a maioria dos homens que vieram com o donatário adoecera de febre palustre, retardando os trabalhos de plantio, preparação da terra e construção do engenho para industrialização do açúcar, meta a ser atingida.
Toda essa região, naquela época, além dos brejais, de um matagal bravio e espesso era tomada por densa mata, que dificultava a caminhada e exploração da terra. Em um trecho da carta de Pero de Góis ao Rei de Portugal, dizia ele: “as quais em andar andei perto de dois meses, por a terra ser cheia de arvoredos”.
Além de todas as dificuldades naturais a serem enfrentadas para desenvolver a sua capitania, outra iria trazer ao donatário sérios problemas, pois a sua capitania estava localizada, justamente em pleno território tribal dos Goytacazes, que era uma das únicas nações indígenas da costa do Brasil que não pertenciam ao grupo lingüístico tupi-guarani, que junto com seus vizinhos, os ferozes Aimorés ou Botocudos tinham resistido à invasão Tupi do litoral brasileiro. Tendo ainda a presença constante e preocupante dos andantes PURIS, cuja prática a antropofagia foi relatada pelo historiador Saint-Hilaire. “Quando esses Índios matam algum inimigo saboreiam sua carne como se fosse um manjar delicado...”
Índio Purí
Botocudos, Puris, Goitacás e Maxacalis ou Gamelas.
“Os selvagens da grande família chamada “puris” se dividem em várias tribos, constantemente em guerra. O nome genérico da nação, ”PURI”, tem sua origem na língua dos Coroados, e quer dizer audaz ou bandido.
Esse “nome insultante foi-lhes dado pelos Coroados (antigos Goitacazes) por causa da guerra contínua que lhes moviam.”
“Os Botocudos descendem dos antigos Aimorés, da raça dos Tapuias (botocudos ou puris). Edgereck-mung é o nome verdadeiro na sua própria língua”.
Botocudos, foi o nome que os portugueses deram a estes silvícolas por causa da forma de pedaços de madeira introduzidas nas orelhas e lábio inferior.
Esta “raça de selvagens foi sempre considerada a mais feroz e a mais terrível entre os Tapuias.”
Os ferozes Índios Botocudos ou Aimorés
Apesar dos poucos recursos que dispunha e das incontáveis dificuldades imposta pela natureza, razão do desânimo dos colonos, Pero de Góis estava determinado a vencer todos os obstáculos, e a sua pertinácia e o seu esforço provocava a cobiça dos colonos, o que permitiu avançar pelas terras dentro, abrindo caminhos e fazendo novas plantações.
Em 14/08/1539, anos depois de instalada a sua capitania, foi que assentou os limites da Capitania de São Tomé com a Capitania do Espírito Santo de Vasco Fernandes Coutinho, tendo com ele se reunido e de forma amistosa e de comum acordo definido os limites entre os dois lotes.
Pero de Góis viveu em paz com os selvagens durante quatro anos, que inclusive o auxiliaram nas suas plantações, e estava convencido de que obteria o sucesso desejado, mas que dependeria de novos recursos para concretizá-lo, pois sem esses capitais não poderia aumentar as lavouras, industrializar a cana, realizar instalação de um engenho de açúcar, adquirir os maquinários, que seriam importados, em geral da Ilha da Madeira o que exigia muito dinheiro; e também era preciso contratar técnicos e funcionários especializados os quais demandariam altos salários; foi quando resolveu voltar a Portugal, e assim o fez em março de 1542, e com ele seguiu seu irmão Luiz de Góis à procura de um sócio capitalista que estivesse disposto a investir na implantação da indústria açucareira, deixando a responsabilidade de administrar a capitania com o seu lugar-tenente Jorge Martins.
Em Portugal Pero de Góis conseguiu convencer a entrar no negócio o rico mercador de ferragens Martim Ferreira que era um cristão novo disposto a aplicar certa quantia para desenvolver a indústria açucareira na capitania.
Enquanto Pero de Góis tratava dos negócios de interesse de sua capitania, o seu irmão Luiz de Góis tornava-se o primeiro europeu a introduzir o uso de tabaco na Europa, que chamado de “erva-de-fumo”, era no Brasil muito usado pelos indígenas.
Ao retornar para a sua Capitania de São Tomé no final de 1543, feliz com o êxito dos entendimentos que havia feito na Capital Portuguesa e com muita disposição; trazendo ferramentas e novos colonos, certo de que com os recursos conseguidos seria possível incrementar todos os planos que tinha em mente, e que a prosperidade da capitania estava garantida, chegando à Vila da Rainha, Pero de Góis a encontrou toda destruída, devastada, abandonada pelos colonos que tinham se embrenhado nas matas, e da gente que havia deixado poucas encontrara, em razão do administrador Jorge Martins, que também fugiu, haver tentado durante a sua ausência, escravizar os índios para os serviços da capitania. As incursões escravagistas e os maus-tratos recebidos provocaram a revolta e o ataque dos silvícolas que destruíram tudo.
Pero de Góis diante daquele quadro triste, vendo toda sua obra destruída, pensou até em desistir, mas não podia desanimar, além do mais pensou como pagaria o financiamento que obtivera em Lisboa.
Imediatamente deu início à dura tarefa de reconstrução, refazendo todos os planos da Vila da Rainha. Procurou de novo conquistar a simpatia dos índios e realizar novas plantações. Enquanto aguardava o tempo necessário para as colheitas, decidiu explorar o rio Managé onde em sua margem construiu o primeiro engenho, nas proximidades da Vila da Rainha.
Dirigindo-se ao Espírito Santo, dali trouxe um oficial de engenhos e “mestre do açúcar”.
Nos dois anos seguintes outros quatros engenhos e novas povoações foram erguidos, conforme relata em trecho de sua carta: “Depois de me vir e largar no Rio Paraíba nossa fazenda que fazíamos detreminei ver augoas que nesta terra onde figuo avia e Luiz de Góis ao presente estava, as quais em andar andei perto de dois meses, por a terra ser cheia de arvoredos, e os índios pouco práticos no que nós queremos nelas... Estes duos homens com outros duos que pêra isso assoldadei, vão arrotear e a fazer com os índios muita fazenda e plantar hua ilha que já tenho pelos índios roçada de canas.”
Em 18 de agosto de 1545, o donatário escreveu a seu sócio Martim Ferreira que ficara em Portugal, dando-lhe conta do empreendimento e que esperava exportar dentro de um ano, “2000 arrobas de açúcar” e solicitou que contratasse uns vinte artífices e sessenta escravos africanos, sendo dez para os trabalhos agrícolas e cinqüenta para trabalhar nos engenhos de açúcar.
Tudo ia muito bem, a capitania progredia até que uma nova tragédia se abateu sobre ela.
No dia 31 de maio de 1535 o rei D. João III declarou as Capitanias do Brasil como território de couto e homizio, ou seja, uma região na qual qualquer crime cometido anteriormente em outros lugares ficava prescrito e perdoado. O Brasil transformou-se assim, numa das colônias para a qual os condenados de Portugal eram enviados para cumprir degredo, e no dia 5 de outubro de 1535 o rei determinou que os degredados que antes eram enviados para as Ilhas de São Tomé e Príncipe na costa ocidental da África, passasse a ser enviados para o Brasil. Com isso vários donatários foram forçados a receber centenas de degredados. Entre eles haviam os punidos por questões ficais; que no Brasil se dedicaram às atividades produtivas; e os condenados por outros crimes, que tinham costumes pervertidos, trazendo no próprio corpo a cicatriz de sua infâmia, em razão de terem sido marcados com ferro em brasa ou com orelhas cortadas, que ao chegarem ao Brasil se envolviam com a pirataria e o tráfico de escravos indígenas.
Certo dia partiu da Capitania do Espírito Santo um grupo de piratas da costa, liderados por Henrique Luiz de Espina, com o intuito de capturar e escravizar os nativos da capitania de São Tomé, tendo nesta empreitada, aprisionado alguns índios, e entre os que tinham capturado se achava um dos chefes e dos principais lideres Goitacá e que era muito amigo dos cristãos, tendo, no entanto, Henrique Luiz Espina aproveitado desta situação e exigido um resgate para libertá-lo, que foi pago, porém o corsário após receber o resgate, além de não devolver o refém como havia negociado, o entregou para uma tribo inimiga que o devorou.
Diante do grande insulto, de terem sido enganados e de tamanha traição, os Goytacazes ficaram irados e revoltados, assaltaram as povoações e os engenhos, incendiaram os canaviais e destruíram os instrumentos que lhes caiam às mãos, mataram vários colonos, destruíram inclusive as peças de artilharia, arrasando toda a capitania.
Foi uma batalha que durou mais de cinco anos.
Pero de Góis por mais que tenha lutado nada pode contra a massa de índios. Desanimado, ferido, tendo perdido um olho na refrega, viu-se de novo dissipar a esperança no sucesso de sua capitania.
É o próprio Pero de Góis quem relata toda essa tragédia ao rei D. João III, em carta datada de 29 de abril de 1546, existente no arquivo Português: “E se vieram logo a uma povoação minha pequena, que eu tinha mais feita, e estando a gente segura, fazendo suas fazendas, deram nela e mataram três homens, e os outros fugiram e queimaram os canaviais todos com a mais fazenda que havia e tomaram toda quanta artilharia havia, e deixaram tudo destruído. Indo as novas a mim, acudi com toda gente que pude e quando lá fui esta tudo destruído.”
Pobre e sem recursos, muito envergonhado pelos prejuízos que deu a aqueles que nele confiaram; arruinado e desgostoso, tendo gasto o que possuía, e bem assim, pelos 15 anos perdidos nesta terra, retirou-se com todos os seus e algumas famílias de colonos, largou o engenho, deixando de mão tudo que com tanto trabalho e esperança tinham construído, fugindo para a vizinha Capitania do Espírito Santo, ali permanecendo até retornar para Portugal. Para isso recebeu o apoio de Vasco Fernandes Coutinho donatário da Capitania do Espírito Santo, que lhe concedeu algumas embarcações.
Merecia melhor sorte o donatário, muito tinha feito para conquistar a sua capitania, foi com muito trabalho e muito custo que a implantou, e a administrou com competência, enfrentando a solidão e tantas outras dificuldades.
Peça de artilharia tomada pelos índios conforme citação de Pero de Góis “tomaram toda quanta artilharia havia”, tendo sido encontrada no ano de 1840 que examinada por qualificado perito disse tratar-se de uma peça fundida no reinado de D. Manuel, ou com moldes desse tempo, por ter uma esfera armilar abaixo das armas portuguesas.
-Com referência a este canhão, assim comentou Fernando José Martins em sua obra editada no ano 1868:
“Em uma fazenda do sertão de Cacimbas, distando da costa 3,500 braças, (fazenda São Pedro) e da antiga povoação do primeiro descobridor (donatário) Pedro de Góes (Pero de Góis) obra de 5 léguas, encontrou-se há 20 annos, quando se roçava o mato, uma peça de bronze de 4 ¹/² palmos de comprimento; notava-se muito mal as armas portuguezas, e com certa diferença e distintivo que bem se póde julgar ter sido fabricada durante os 60 annos que Portugal soffreu o jugo de Castella; ainda mais porque sendo de presumir que este canhão fizesse parte da artilharia portatil daquelle descobridor, e fosse ahi deixada em tempos que combateu com os botecudos,ao ponto de desemparar a capitania pelos annos de 1622, não póde deixar de prevalecer esta Idea, se conbinarmos esta data com a de 1580 em que começou aquelle domínio.
Para prevalecer a conjuctura de ser com effeito esta arma ali levada pelas phalanges do infeliz donatário, basta a circunstancia muito notável de não haver até o presente noticia alguma de outras guerras ou ligeiros choques nos matos desta capitania, antes ou depois do descobrimento, que podesse facilmente explicar o singular achado de uma boca de fogo em matas incultas e desertas. Devia ser de muita importância que deixassem prevalecer o interessante monumento no mesmo sitio e posição em que foi encontrado.
Por isso, em quanto outras provas não forem publicadas, ficamos convencidos de que Gil de Góes levou a guerra muito alem, do que se supunha, e que para destruição dos Aymorés foi-lhe preciso embrenhar-se no continente; esforços que não logrou, porque sucumbio afinal aos repetidos e costumazes ataques daquelle gentio.”
A capitania, no entanto ficou completamente abandonada. Ficaram nela alguns criminosos e escravos fugidos que tinham a guarida dos índios. Os criminosos escapados das justiças das capitanias vizinhas se homiziaram na região.
O novo donatário tomou posse da Capitania.
Gil de Góis da Silveira, descendente e sucessor de Pero de Góis, obtendo a confirmação da herança, no início do século seguinte, associado com João Gomes Leitão, resolveu assumir a Capitania que herdara. Começando a fazer novas lavouras. Só que não se interessou pelo repovoamento da vila destruída nas imediações do Rio Itabapoana. Preferiu instalar-se nas margens do Rio Itapemirim. Levantaram uma povoação, no Baixo dos Pargos, denominando-a de Santa Catarina das Mós, e construíram um engenho para industrializar as canas de açúcar que plantaram nas imediações.
Não se sabe muito ao certo, se Gil de Góis era mesmo filho ou neto de Pero de Góis, se havia nascido no Brasil ou em Portugal. Assim questionou o historiador Fernando José Martins. Baseando-se nas combinações do tempo em que Pero de Góis aportou às nossas praias e delas se retirou com o artigo que se ler na carta de doação, da mesma capitania, feita ao visconde d’Asseca, quando diz: “e tendo nos attenção a haver Gil de Góis deixado há mais de quarenta annos para a coroa a dita capitania da Parahyba do Sul...” datada de 1674. O que deduz ter a colônia do primeiro mandatário haver perdurado mais de 70 anos. Não apenas uns poucos como faziam crer alguns historiadores. E ainda o fato de Pero de Góis nunca haver mencionado a respeito do filho.
Entretanto, todos os papéis vindos de Lisboa, nos últimos tempos da colônia; nas cartas do Visconde d’Asseca; os títulos por que ainda hoje se conhecem os lugares de Santa Catarina dos Amós, tais como a barreira de Gil de Góis e outros; assim como também o socorro pedido á capitania do Espírito Santo, tudo é feito e dirigido por Gil de Góis da Silveira, filho e imediato herdeiro e sucessor do capitão Pero de Góes.
Sabe-se que Gil de Góis abandonou a capitania entre os anos de 1619 a 1622, por não ser possível resistir à fúria dos indígenas, entregando a Felippe IV de Castella, que então reinava Portugal, todos os seus títulos e direitos, renunciando em benefício da coroa toda a posse e domínios antes adquiridos.
Assim como aconteceu a Pero de Góis, que teve a sua Vila da Rainha totalmente destruída pelos índios, se deu com Gil de Góis nas margens do rio Itapemirim, onde fundou uma vila denominada de Santa Catarina. A união dos Goytacazes e Xipotós com os bravos Botocudos ou Aymorés, deu o derradeiro e último golpe as pretensões do donatário, em razão do desfecho de um caso amoroso entre ele e a bela filha de um cacique em terras capixabas.
Gil de Góis, entre outros indígenas que conseguiu domesticar, acolheu uma menina, filha de um cacique de uma tribo da vizinhança, a quem batizou com o nome de Catarina. Crescendo no corpo, na idade e na formosura, tornando-se uma bela mulher, não teve forças para resistir aos encantos da atraente afilhada, nem tão pouca esta aos amorosos cuidados e carinhos do donatário. A esposa deste, D. Francisca de Aguiar Manrique percebendo, e tomada de extremo ciúme, começou a maltratar com palavras a jovem, que preocupada e não suportando as agressões, incessantemente pedia a seu amante que a levasse para outro lugar, distante de sua perseguidora, que aproveitando da ausência do marido, aprisionou-a num tronco, vingando-se com muitas chicotadas. Vítima deste bárbaro castigo, não mais suportando as agressões, a índia foge e correu para o mato em busca de seus parentes. O estado lastimável em que apareceu diante deles, com o corpo todo ensangüentado, fez jurar vingança e guerra de morte contra aquele, no pensar da tribo, era a causa e responsável pelo martírio de sua bela conterrânea. Os índios atacaram a vila e de lá expulsou toda a colônia, que se evadiu com o socorro de Vasco Fernandes Coutinho, escapando ás cruéis vinganças e suplícios que lhes estavam destinados.
Depois deste episódio, as terras da capitania que por muitos anos ficou abandonada, passaram a ser ocupadas a partir de 1630. O que contarei mais adiante.
Quando passo pelo nosso litoral, onde se deram os acontecimentos da nossa colonização, volto o meu pensamento há aquele tempo e fico a imaginar com emoção, refletindo na mente a imagem daqueles corajosos desbravadores, que vindos de terras distantes, aqui aportaram e lutaram para abrir os caminhos por onde tantos percorreram para que chegássemos aos dias e situação atuais.
E assim pensando, olho para um lado e para outro, e pergunto em silêncio: De qual parte vieram? Do norte ou do sul? Em que condições aqui chegaram? Durante quanto tempo navegaram? Exatamente em qual ponto aportaram? Por que escolheram aqui? Como foi o desembarque? Aonde foi, exatamente, implantada a Vila da Rainha?
Fico a imaginar toda essa região com densa mata, com aqueles matagais bravios e espessos, com todos aqueles brejais quase que intransponíveis, ainda sem caminhos e sem trilhas.
Fico a imaginar os indígenas, habitantes nativos, com suas vidas e costumes. O que sentiram quando viram os brancos chegando? Para eles invasores, e para a história; conquistadores, desbravadores e colonizadores, aportando seus navios, penetrando na terra, vestidos, armados e dizendo donos daquilo que só eles, os indígenas, conheciam, aqui viviam e até então sabiam existir.
E a batalha perdida por aquele que deu origem a esta história? Cansado, derrotado, abatido; que edificou aqui o primeiro engenho de açúcar plantou a primeira cana-de-açúcar das terras fluminense, edificou o primeiro núcleo habitacional e marco da nossa colonização, edificou aqui a primeira igreja, nos dando hoje, o direito e orgulho de dizer; que a primeira cana de açúcar do Estado do Rio de Janeiro foi plantada aqui, na nossa terra, que está incluída na história do Brasil. Fico ainda a imaginar o sofrimento de Pero de Góis, o que teria passado o que sentiu ao ver todo o seu sonho e trabalho completamente destruídos?
Passados alguns anos, em 19 de agosto de 1627, uma parte das terras da capitania, que começavam no Rio Macaé até o Rio Iguassú foi doada aos Sete Capitães. Que fizeram a partilha entre si em 1634, dedicando-se exclusivamente a pecuária.
Daí vários acontecimentos ocorreram no território da capitania, então dividida, até que em 15 de setembro 1674, o General Salvador Correia de Sá e Benevides conseguiu para seus filhos, o 1º Visconde de Asseca, Martim Correia de Sá e João Correia de Sá, a doação da Capitania de São Tomé depois conhecida por Paraíba do Sul.
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